A implementação e a efetividade das políticas públicas de saúde

Desde sua criação há um pouco mais de uma década, o SUS (Sistema Único de Saúde) mostrou-se não apenas viável, mas também um exemplo de universalização do direito à saúde no Brasil. Hoje, o sistema público de saúde é responsável por quase 95% das cirurgias cardíacas, dos tratamentos oncológicos e dos transplantes de órgãos, realizando um milhão de internações/mês, 3,5 bilhões de atendimentos/ano, e a assistência primária cobre 60% da população com a Estratégia de Saúde da Família. Entretanto, quando observado de perto, nem sempre o sistema é sinônimo de qualidade e bom atendimento. Em alguns lugares podemos encontrar problemas estruturais, como o subfinanciamento[1]na saúde[2].

Mas por que algumas políticas públicas de saúde dão certo em alguns lugares e em outros não? Para respondermos essa pergunta, devemos compreender as políticas públicas em saúde como um processo dinâmico de interação entre usuários e implementadores, e observar detalhadamente seu processo de implementação, resultado de decisões organizacionais e individuais.

De acordo com Marta Arretche[3], Doutora em Ciências Sociais na área de Políticas Públicas pelo IFCH/UNICAMP e Professora de Ciência Política na UNESP, é recorrente a existência de diferenças significativas “entre os objetivos e a metodologia de um programa − tal como previstos por seus formuladores − e sua implementação efetiva”, que “ocorre por decisão dos próprios agentes implementadores”. Isso se dá, sobretudo, devido à diversidade de concepções possíveis adotadas pelos diferentes agentes envolvidos nesse processo.

Para avaliarmos adequadamente as políticas públicas de saúde nos municípios brasileiros, é preciso considerar também que é na atenção básica que se inicia e se ordena o caminho dos cidadãos no sistema de saúde, responsável pela integração da rede de saúde. Para implementar a atenção básica, devemos ter unidades de saúde localizadas perto das pessoas e responsáveis não somente pelos diagnósticos simples, mas também pela primeira etapa da implementação da rede do sistema de saúde. Ou seja, um dos primeiros problemas enfrentados na efetivação da saúde pública no Brasil é que a atenção em rede não foi devidamente realizada, existindo ainda uma excessiva centralização do sistema. Somente o processo de regionalização da saúde e sua efetiva integração podem garantir a divisão das responsabilidades e o descongestionamento na ponta do sistema.

De acordo com Arretche, a efetivação dos programas de políticas públicas supõe uma legislação geral e uma regulamentação específica para regulá-los regionalmente. Além disso, é preciso avaliar se os agentes implementadores de fato conhecem o programa, se existe uma aceitação de seus objetivos e de suas regras, e, finalmente, faz-se necessário conhecer as condições institucionais para sua implementação. Para isso, é preciso realizar uma pactuação, feita de acordo com a realidade de cada região[4], fazendo com que  o planejamento se torne um instrumento de gestão imprescindível .

Portanto, o Plano Municipal de Saúde não deve ser feito apenas como uma norma a ser cumprida pelos compromissos da agenda do gestor, mas ele precisa envolver todos os atores – implementadores e usuários -, assim como as demais áreas relacionadas à saúde (a educação, o bem estar social, o meio ambiente etc), de forma a construir um plano completo e adequado ao município. Somente  mecanismos de participação social, principalmente os conselhos de saúde, garantem o sucesso dessa união e a devida adequação do plano às necessidades da população. E é apenas o envolvimento dos cidadãos nesse processo que também irá assegurar maior transparência e melhores diagnósticos do sistema de saúde municipal, levando, assim,  à  eficiente implementação do plano de saúde no município.

Para saber mais:

 

[1] Para enfrentar a escassez de recursos, foram propostas novas fontes de financiamento: 1. Ampliação da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das instituições financeiras de 9% (atual) para 18%. 2. Criação da Contribuição sobre Grandes Transações Financeiras (CGTF) e tributação das remessas de lucros e dividendos realizadas pelas multinacionais, atualmente isentas, destinadas à Seguridade Social. 3. Aprovação do projeto de lei em tramitação na Câmara Federal que taxa as grandes fortunas e destinação desses recursos para a Seguridade Social. 4. Revisão do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) para ampliar a destinação de seus recursos para o SUS. 5. Aumento das taxas que incidem sobre produtos derivados do tabaco, bebidas alcoólicas e empresas que importam, fabricam e montam motocicletas. (Fonte: http://ow.ly/A6fn301uXZ3).

[2] Problemas no SUS ferem dignidade dos cidadãos, indica relatório: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-04/problemas-estruturais-no-sus-ferem-dignidade-e-direitos-aponta-relatorio

[3] ARRETCHE, M. Uma Contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. IN: BARREIRA, Maria Cecília Roxo Nobre & CARVALHO, Maria do Carmo Brant (orgs.).Tendências e Perspectivas na Avaliação de Políticas e Programas Sociais. São Paulo: IEE/PUC.

[4] A gestão na forma de rede é um desafio que tem sido enfrentado com a constituição dos colegiados de gestão regional. Os CGRs são exemplos democráticos e inovadores na gestão e implementação de políticas públicas em saúde.

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