Que o carro é o grande vilão da mobilidade urbana nas cidades, hoje quase ninguém discorda. Além de ser protagonista de congestionamentos quilométricos, tornou-se um problema enorme para a saúde pública e para o meio ambiente: é responsável pelos elevados índices de mortes no trânsito e por boa parte da emissão de gases poluentes.
Mas em meados do século XX não era bem assim. Com a chegada em peso da indústria automobilística, as metrópoles brasileiras alargavam suas avenidas e adaptavam-se para adotar o carro como principal meio de transporte. Curitiba, no entanto, entrou na contramão.
Na década de 70, durante a prefeitura de Jaime Lerner, começaram a ser colocadas em prática as diretrizes do Plano Serete, elaborado na década anterior: implantação de um calçadão exclusivo para pedestres, ampliação de áreas destinadas ao lazer, construção das vias estruturais da cidade e a inauguração da obra mais emblemática da gestão, a Rede Integrada de Transporte.
A proposta era construir faixas exclusivas de ônibus ao longo dos eixos principais da cidade. O sistema seria tão eficiente quanto o metrô, mas com um custo bem inferior. A RIT vingou, e na década de 90 já levava mais de 1 milhão de passageiros por dia. O toque final foi a implementação de um esquema de cobrança de passagem nas plataformas, que agilizou o embarque e possibilitou a introdução da tarifa única.
Estava assim estabelecido o primeiro transporte rápido por ônibus – mais conhecido pela sigla em inglês, BRT – do mundo. Curitiba tornou-se um modelo de planejamento urbano e, desde então, a ideia já se espalhou por mais de 200 cidades. Entretanto, de uns anos para cá, a RIT vem se deteriorando. Frota sucateada, ônibus lotados, lentidão…Além disso, no início de 2015 foi decretado o fim da tarifa única, o que aumentou consideravelmente o tempo de deslocamento e o valor de alguns trechos.
Se por um lado Curitiba é mundialmente reconhecida pela criação do sistema BRT, por outro é também campeã quando o assunto é transporte individual. Segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do IBGE de 2013, é a capital com mais carros por habitante e a quinta cidade com maior número de veículos em todo o país.
Para a arquiteta e urbanista Letícia Nerone Gadens, doutora em Gestão Urbana pela PUC-PR, as dificuldades enfrentadas atualmente podem ser explicadas basicamente por três fatores: aumento expressivo da demanda, a facilidade e o conforto do transporte individual versus a qualidade do transporte público e a necessidade de planejamento e integração de diferentes modais de transporte. Como superá-las?
Uma das alternativas encontradas pela prefeitura foi incentivar o uso de bicicletas. O Plano Diretor Cicloviário, divulgado em 2013, estabeleceu o investimento de R$ 90 milhões para a recuperação da malha existente e a instalação de mais 300 km de vias até o final de 2016. Ainda em fase de testes, o projeto BRT Bike vai permitir que ciclistas levem suas bicicletas dentro dos ônibus, favorecendo a articulação entre os diferentes modais.
Criar políticas que priorizem o pedestre é outra medida essencial para melhorar o fluxo nas cidades. Foi lançado no ano passado um projeto que amplia em até 50% o tempo de semáforo para pessoas com mobilidade reduzida. Pela iniciativa, Curitiba foi agraciada com o Road Safety Awards, que celebra ações relevantes de segurança viária ao redor do globo.
O quesito social também deve ser levado em conta. Afinal, um bom plano de mobilidade urbana não resume-se a apenas melhorar a eficiência do sistema; é preciso garantir que toda a população – e não apenas os moradores de regiões centrais – possa usufruir das melhorias implementadas e de um sistema de transporte público de qualidade e barato.