PEC 55/241 e a ameaça ao desenvolvimento sustentável no Brasil

Nenhum gestor responsável é contrário ao equilíbrio fiscal. Está na essência da boa administração buscar equilibrar receita e despesa. Nenhuma organização preocupada com o futuro do país sugere irresponsabilidades no plano fiscal. A questão, por outro lado, reside na maneira como são planejados os ajustes, sobre que parcela da população recairão e quais seus efeitos para o conjunto da população.

No ano passado, o Brasil e diversos países do mundo firmaram um acordo sobre a implementação dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. São 17 objetivos e 169 metas ambiciosos, a serem atingidos até 2030, que compreendem  de maneira holística as quatro dimensões basilares do desenvolvimento sustentável: social, ambiental, econômica e institucional.

O que já parecia extremamente desafiador pode se tornar ainda mais caso a PEC 241/55¹ seja aprovada no Congresso Nacional.  Isso porque essa proposta de emenda constitucional prevê o congelamento do teto dos investimentos públicos federais, sem entretanto atingir os gastos com dívida pública², mas abrangendo áreas sensíveis e fundamentais para a efetivação dos ODS – como saúde, educação, cultura, ciência, programas sociais, infraestrutura, entre outros.

Na prática, a proposta, que pretende criar um “Novo Regime Fiscal” para o país, susta todos os efeitos positivos das vinculações de recursos constitucionais com saúde e educação estabelecidas pela Constituição Cidadã. A fim de conter o crescimento dos gastos públicos, a PEC do Teto adiciona alguns artigos às disposições transitórias da Constituição. Um deles, por exemplo, teria como fruto de sua aplicação o cancelamento durante vinte anos das vinculações dos investimentos em saúde – pelo menos 15% da receita líquida da União – e educação – pelo menos 18% da receita de imposto da União e 25% dos estados e municípios.

Deste modo, se a PEC 241/55 for aprovada, recuaremos três décadas, quando em 1983, os investimentos mínimos da União em educação foram fixados em 13%. Estudiosos apontam  que o impacto sobre a educação, por exemplo, será tão grande que os investimentos diretos na área serão reduzidos em cerca de 40% e os recursos que atualmente somam pouco mais que 5% do PIB cairão para aproximadamente 3% até 2036. Um padrão que nos colocará, quase em meados do século 21, em uma situação como aquela do final da década de 1990.

Estamos, portanto, diante de um cenário cujos efeitos recairão de forma direta sobre o andamento da Agenda 2030 no Brasil. O primeiro ODS, por exemplo, que propõe a erradicação da pobreza, será significativamente impactado pela PEC. De acordo com um estudo sobre o impacto do “Novo Regime Fiscal”, o investimento com o programa Bolsa Família, saneamento, moradia e investimento em infraestrutura cairia de 8% para 3% em 20 anos. O Brasil vinha na última década, e de forma sustentada e reconhecida internacionalmente, empenhando-se fortemente para eliminar a pobreza. Entretanto, é possível predizer que o resultado de uma tal redução nos investimentos na área terá efeitos importantes em nosso comprometimento para o atingimento desta meta.  

Outra área fortemente afetada pela proposta seria o ODS3. De acordo com o Conselho Nacional de Saúde, órgão que tem entre suas atribuições a formulação de estratégias e o controle da execução da Política Nacional de Saúde, a medida inviabiliza, na prática, a existência do Sistema Único de Saúde e “representará o desmonte do SUS e da Seguridade Social, em flagrante desrespeito à luta do Movimento de Reforma Sanitária e das conquistas sociais inscritas na Carta Magna de 1988, chamada pelo então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, de “Constituição Cidadã”.

A Agenda 2030 em xeque

Se analisarmos as 3.691 páginas da proposta orçamentária do ano de 2017, que foi recém-enviada ao Congresso Nacional  e elaborada segundo a previsão que a PEC 241 seja aprovada, deparamo-nos com números bastante preocupantes. Reduções significativas em comparação ao orçamento do ano passado em áreas centrais dos ODS, e que devem certamente comprometer a implementação de políticas públicas em todas as esferas da federação, sobretudo, em Estados e  municípios: desenvolvimento regional (ODS10) – redução de 81, 2%; moradia digna (ODS11) – redução de 56,7%; reforma agrária (ODS1 e 2) – redução de 52,6%; igualdade racial (ODS1, 2, 16) – redução de 42,2%; mulheres e igualdade de gênero (ODS5) – redução de 40%; principais programas sociais (ODS1, 2) – redução de 14%; educação (ODS4) – redução de 10%; inclusão social e bolsa família (ODS1 e 2) – 7,4%; fortalecimento do SUS (ODS3) – redução de 5,6%; entre outras reduções importantes em outros objetivos (e metas) de desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a PEC não parece impactar as áreas como investimento militar e o agronegócio que terão aumento significativo em seu orçamento.

De acordo com especialistas, como Christine Rifflart, economista do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), a PEC do Teto, que cria um novo regime fiscal e limita o aumento dos gastos públicos à inflação do ano anterior, pode reduzir o tamanho do Estado brasileiro a um nível que ameaça o desenvolvimento do país nos próximos 20 anos. De tal modo, parece-nos bastante evidente que o “Novo Regime Fiscal” será fonte de conflito social e, sobretudo, negação de direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Federal de 1988.

Outras soluções possíveis

É claro que o investimento pode ser melhor administrado. Para modificar a situação de crise fiscal, primeiro é preciso fazer um diagnóstico dos setores econômicos presentes no país e, claro, analisar profundamente as finanças da administração. Concluída essa primeira etapa, deve-se: identificar quais os principais problemas, engajar os atores estratégicos para a resolução desses desafios e construir uma nova estratégia de ação, planejando mudanças e melhorias na gestão econômica. Além de ajustes nos fluxos de gestão dos recursos financeiros do Estado e a consequente escolha política das áreas que devem ser remanejadas.

Alguns pontos podem ser destacados como soluções para crise fiscal do Estado brasileiro, sem que realizemos cortes em áreas essenciais como saúde, educação, infraestrutura e desenvolvimento regional. O argumento do atual Governo é que, em virtude das altíssimas despesas, os cortes se fazem necessários. Porém, na verdade, são as receitas que estão caindo4. Estão caindo porque a base tributária brasileira é o consumo e a produção, e quando ambos caem, as receitas caem. Assim, destacam-se algumas propostas alternativas que não penalizariam a população brasileira:

  • A realização de uma reforma tributária progressiva que reorganize nosso modelo tributário – taxando o patrimônio, a riqueza e as grandes heranças – e que reduza os impostos sobre a produção e o consumo, o que aumentaria as receitas do Estado, evitando, assim, cortes dessa natureza em áreas essenciais.
  • A manutenção da decisão política que mantenha os investimentos sociais do Estado, uma vez que este tem efeito multiplicador na economia. Por exemplo, a cada R$ 1,00 investido em programas de transferência de renda faz girar R$ 2,40 na economia e agrega R$ 1,78 no PIB (segundo o IPEA).  Portanto, o corte de investimentos em áreas sociais não ajuda a recuperar a economia, pelo contrário, só aumenta a retração que estamos vivendo.
  • Além disso, é preciso com urgência rever desonerações e isenções fiscais – sem contrapartidas, concedidas a grandes empresas durante o último governo, e que trazem grande impacto para os cofres públicos.

A solução fundamental5 segundo os especialistas é a reforma tributária progressiva, uma vez que, no Brasil, por causa dos impostos indiretos e sobre o consumo, quem paga mais impostos ainda são os pobres e a classe média. Por aqui, quase metade da carga tributária advém de impostos sobre bens e serviços (15,4% do PIB), e os impostos sobre a renda e a propriedade não chegam a um quarto do total (8,1% do PIB). De acordo com essa proposta, uma reforma tributária progressiva, que combine eficiência e equidade, poderia incentivar o crescimento econômico de longo prazo. Isso porque reduziria a tributação do lucro e da produção das empresas, ao mesmo tempo em que concentraria o ajuste fiscal de curto prazo sobre uma pequena parcela da poupança dos mais ricos, não diretamente relacionada ao investimento, e, por conseguinte, vinculada a um maior nível de emprego e produto. Assim, ganha-se tempo para aprimorar outras propostas de reformas estruturais das despesas6, debatê-las com a sociedade e pactuá-las democraticamente.

¹ PEC 241 na Câmara Federal e PEC 55 no Senado Federal.
² De acordo com a Auditoria Cidadã. Os gastos com a dívida pública consumiram 42% do orçamento federal no ano passado.
³ Após pressão da sociedade, o governo determinou que os investimentos em saúde e educação fossem congelados a partir de 2018.
4 “É uma crise, sobretudo pelo lado da receita já que as despesas do governo, as despesas primárias, cresceram até menos nos últimos anos do que em muitos outros períodos ou nos governos anteriores. Apesar do mito de que o colapso é por um excesso de gastos, o colapso é por falta de receita”. Laura Carvalho, professora Doutora da FEA – USP. Mais informações, acesse aqui.
5 Estudo opus citat.
6 Entre estas reformas estruturais das despesas que são reivindicadas pela sociedade civil organizada está a Auditoria Cidadã da Dívida pública, defendida também por muitos economistas e especialistas, uma vez que o Estado brasileiro dispende a maior parte de sua receita nesta área.

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