Espaços Públicos: vitalidade das ruas é qualidade de vida urbana

São diversos os fatores que contribuem para que ruas, parques e praças de uma cidade sejam usados com qualidade. E a ocupação desses espaços, ou seja, a presença de pessoas em tais locais, é elemento fundamental para garantir que esses locais sejam usufruídos em seu mais alto potencial. Espaços públicos onde há pessoas são mais seguros, incentivam a economia local, fomentam a cultura urbana e são centrais para que os cidadãos tenham hábitos mais saudáveis e ecológicos, como o de se locomover a pé.

Caminhar pela cidade é indissociável do ato de permanecer nas ruas, de ter os espaços públicos não só como passagem, mas também como destino. Quando os ambientes públicos são mais bem desenhados e apropriados por suas comunidades, o caminhar torna-se mais agradável. Calçadas largas, atividades culturais pelo caminho, fachadas ativas, sombreamento, facilidade de cruzamento das vias, mobiliário urbano para descanso e lazer são definitivos para a escolha do meio de locomoção a ser utilizado em determinada localidade.

Ocupar a cidade é essencial para que suas áreas públicas sejam vivas e tenham identidade própria. De nada adianta espaços bem desenhados se não forem utilizados e se a comunidade que o frequenta nele não se reconhece. Escreveu Henri Lefebvre, filósofo e sociólogo francês, no livro O Direito à Cidade (1968): “O urbano é, portanto, forma pura; um lugar de encontro, de reunião, de simultaneidade. Esta forma não tem conteúdo específico, mas é um centro de atração e de vida.” Para Lefebvre, os espaços públicos são parte da essência da vida urbana. São neles que os encontros acontecem e que se produzem os fenômenos cotidianos que formam as cidades. Além de serem locais de circulação, de interação e de conexão entre os indivíduos.

Contudo, a  percepção sobre esses  espaços  frequentemente se atém a parques e praças. Visão que deve ser urgentemente superada, já que ruas e calçadas são espaços públicos por essência e, em geral, representam a maior parcela desse tipo de área em uma cidade.Nos grandes centros urbanos, por exemplo, as vias dedicadas aos automóveis ocupam, em média, 70% das áreas públicas. Não podemos ignorá-las.

Durante a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), realizada no mês de outubro, foi acordado que, nos próximos 20 anos, 45% do território urbano deverá ser composto por ruas e espaços públicos. Noção que já vinha norteando o planejamento de algumas cidades brasileiras, como São Paulo. Políticas públicas e movimentos da sociedade civil de incentivo à ocupação dos espaços públicos e à mobilidade de pedestres fortaleceram-se ao longo da gestão de Fernando Haddad, entre 2012 e 2016, e muitos dos seus entusiastas aguardam com apreensão quais serão os passos do próximo governo municipal a esse respeito a partir de 2017. Entre programas e iniciativas que impulsionaram a ocupação dos espaços públicos e a retomada da cidade pelos pedestres durante a atual gestão na capital paulista, algumas das que merecem destaque são:

  • Ruas Abertas – programa que prevê a abertura aos pedestres da Avenida Paulista e de outras vias em diversos bairros aos domingos;
  • Redes e Ruas – edital que incentiva a ocupação de espaços públicos;
  • Incentivo ao carnaval de rua;
  • Diminuição dos limites de velocidade nas vias da cidade
  • Implementação massiva de ciclovias;
  • Melhoria de travessias para pedestres.

A transição para uma nova gestão a partir de 2017, porém, coloca em xeque a continuidade de tais políticas. Ativistas e especialistas em mobilidade ativa e urbanismo cidadão temem que o slogan do prefeito eleito João Dória – “Acelera SP” – indique a retomada dos antigos – e mais elevados – limites de velocidade de vias principais da capital paulista, como as Marginais. Pois, para grande parte deles, acelerar, neste caso, significaria retroceder, regredir de forma expressiva na qualidade das políticas de mobilidade da cidade.

A apropriação do espaço público pela população e uma participação popular mais efetiva nas esferas decisórias das políticas urbanas têm sido resultado de lutas importantes da sociedade civil e de ações públicas ousadas e, muitas vezes, até impopulares à primeira vista. Por isso, uma grande pluralidade de atores da sociedade civil tem se proposto a monitorar e pressionar o poder público de forma a garantir que as políticas de mobilidade urbana e de ocupação dos espaços públicos em São Paulo não assumam rumos opostos ao que se construía ao longo dos últimos anos na cidade.

A urgente discussão sobre o estabelecimento de uma gestão compartilhada dos espaços públicos que priorize a humanização, a pedestrianização e a democratização da cidade para constituir centros urbanos mais inclusivos e socialmente justos, deve não apenas continuar, mas se aprofundar cada vez mais. E o incentivo à criação de espaços públicos vibrantes está certamente entre as grandes contribuições positivas para o alcance desse objetivo.

Laura Sobral é Arquiteta Urbanista, graduou-se pela Universidade de São Paulo, com intercâmbio na Universidad Politecnica de Madrid e atualmente é mestranda na Universidade de São Paulo, onde pesquisa sobre a produção social dos espaços públicos e comuns.

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